Poesia - Aristides Klafke

São Paulo Neo Noir ~ Jorge Sato
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Jogo xadrez com uma máscara de vidro
Deus é um peixe ofegante na pia
Acendo e apago o fogo no fogão

Um pavão depenado passeia na mente
Escalo as paredes qual um demente
Everestes deslumbrantes
Crescem por todos os lados

Inexorável, a máscara me encurrala...

Golpeado, rogo clemência...

Na pia, Deus, que é um peixe ofegante
Ofega um assobio

Boto a bunda na cadeira, trinco os lábios levemente
Boto os pés na mesa, suspiro velhos amores
Os cotovelos os mantenho à altura do umbigo
Encho um cálice de fé no futuro da humanidade
Desenho no ar uma frase hedionda (bem cretina)
Abro a porta para entrar um pouco de vento
Escancaro as janelas, jogo fora assédios, desavenças
A cidade fede fezes, parece que vai chover

Meu corpo pede azeite
Unto meu corpo de azeite –que deleite!
Bate forte o desejo de pôr fim
Ao consumo poético de doces e salgados
Tanta porcaria consumida, tanta consumada
Tanta música estridente, tanta fala furada

Incandescente, acendo e apago
O fogo no fogão
Tenho a boca empanturrada de indecência
Acendo e apago
(num fluxo flamejante)
O fogo no fogão

A máscara deliberante
Sussurra xeque-mate... e pronto!
De longe, de fogos ou de trovão
Me chega o eco de um estrondo

Quando dispara arrebatado
Em ritmo radiante
Meu coração gaiatado

E Deus continua assobiando na pia

[ in Quebrada, inédito ]

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